O sol já se despedia no horizonte quando Elena decidiu que não havia mais volta. O céu ardia em tons de cobre e violeta, como se o próprio firmamento tivesse sido pintado para marcar aquele instante. Os últimos raios de luz deslizavam entre as copas das árvores, e cada feixe parecia indicar o caminho. O coração dela batia em compassos diferentes — ora acelerado, ora lento demais — como se tentasse acompanhá-la nessa travessia que não era apenas física, mas também espiritual. Ela ajeitou o manto simples que usava, sentindo o peso leve da chave guardada no bolso interno, como um amuleto silencioso que pulsava em sintonia com sua pele. Não sabia de onde vinha aquela chave, tampouco o motivo de confiar tanto nela, mas algo em seu íntimo sussurrava: é com ela que abrirás a passagem.

Por um instante, duvidou. Não seria melhor voltar? Retornar ao mundo conhecido, às obrigações que pesavam, às vozes que sempre diziam para não arriscar, para não acreditar em sonhos ou presságios? Mas logo a lembrança do chamado — aquele sussurro que vinha de lugar nenhum e, ao mesmo tempo, de dentro dela mesma — fez seu corpo vibrar. Seguir em frente era inevitável.

A primeira visão da trilha foi um choque de beleza. Pequenas lanternas suspensas flutuavam alguns centímetros acima do chão, iluminando uma estrada que se enroscava para dentro do bosque como uma serpente de luz. Não havia cordas, ganchos ou suportes; apenas estavam ali, cintilando suavemente como vaga-lumes encantados. Quando Elena deu o primeiro passo, a sensação foi imediata: o tempo mudou. O som dos grilos, que preenchia o entardecer, diminuiu até quase desaparecer. O vento parou. O próprio ar parecia mais denso, como se tivesse atravessado uma membrana invisível. Cada lanterna acendia mais forte à medida que ela se aproximava, como se a saudassem. A luz não era apenas dourada, mas multicolorida, refletindo tons que mudavam conforme sua respiração. Verde quando ela se lembrava de suas esperanças. Azul quando pensava em sua dor. Violeta quando reconhecia sua fé. Era como se o caminho fosse tecido pela própria alma dela.

Não demorou para perceber que o bosque não era feito apenas de árvores, mas de presenças. As raízes pareciam se mover discretamente, abrindo espaço quando ela passava. As folhas farfalhavam sem vento, como se murmurassem segredos em uma língua esquecida. O tronco de uma árvore antiga exibia marcas que lembravam símbolos, gravados talvez por mãos ancestrais — ou pela própria terra em comunhão com o tempo. Ao passar a mão, ela sentiu calor, como se tocasse pele viva. Elena se deu conta de que atravessar aquele portal não era um simples deslocamento. Era ser vista, testada, reconhecida. O bosque parecia avaliá-la, não para julgá-la, mas para confirmar se ela estava pronta para pertencer.

Nem tudo era luz. Em certo ponto da trilha, as lanternas diminuíram o brilho até quase apagarem. O chão se tornou irregular, e Elena perdeu de vista o próximo passo. O frio cresceu, penetrando em seus ossos. Ela sentiu medo. E, junto com ele, a tentação de voltar. Mas lembrou-se da chave. Com mãos trêmulas, retirou-a do bolso e ergueu-a diante de si. A chave brilhou, refletindo uma luz prateada que iluminou o caminho por alguns instantes. As lanternas voltaram a cintilar, como se tivessem apenas esperado que ela confiasse.

— O caminho se revela a quem ousa acreditar — murmurou uma voz suave.

Elena olhou em volta, mas não havia ninguém. Foi então que notou uma pequena figura entre os galhos: parecia feita de vento, um brilho translúcido em forma de fada. Seus olhos eram duas estrelas minúsculas, e seu corpo era quase invisível, como se fosse apenas uma dobra do ar.

— Quem… quem é você? — perguntou Elena, incrédula.

— Apenas um sopro — respondeu a criatura. — Mas todo sopro pode se tornar vento quando encontra asas. Vá, o Portal a espera.

E num piscar de olhos, desapareceu.

Após o encontro, Elena caminhou mais confiante. E então, viu. À frente, o bosque se abria em uma clareira. No centro, erguia-se um arco de pedra coberto de musgo, tão antigo que parecia ter sido moldado pelo tempo. Símbolos brilhavam em sua superfície, pulsando em tons dourados e prateados, como veias de luz correndo pela rocha. Era o Portal. Mas não estava sozinha. Silhuetas surgiram ao redor da clareira, figuras altas, encapuzadas, como sombras de um conselho antigo. Seus olhos brilhavam em tons diferentes — dourado, verde, rubi, safira. Não falavam, mas sua presença preenchia o espaço com uma energia que quase a derrubava. Elena entendeu: eram os Guardiões.

A pressão em seu peito aumentou. Não bastava ter chegado até ali; precisava escolher atravessar. Precisava usar a chave. Ela respirou fundo. Cada célula de seu corpo vibrava, como se estivesse prestes a se dissolver. Com passos lentos, aproximou-se do arco de pedra. A chave queimava em sua mão, não de dor, mas de intensidade. Colocou-a no encaixe invisível que surgiu no centro do arco. Um som grave, como o cântico da terra, ecoou pelo bosque. A pedra tremeu, os símbolos se acenderam em cascata, e uma fenda de luz se abriu, rodopiando como espiral infinita.

Elena hesitou por um segundo. O último instante de apego ao mundo que deixava para trás. E então atravessou.

A sensação foi indescritível: calor e frio ao mesmo tempo, o corpo leve como pluma e pesado como chumbo. Viu flashes de lembranças — sua infância, sua dor, seus sonhos não vividos — passando diante de seus olhos como se fossem reflexos em espelhos quebrados. Até que tudo se dissolveu em silêncio absoluto.

Quando abriu os olhos, estava deitada sobre um chão coberto de folhas douradas. O ar era fresco, perfumado com flores que nunca havia visto. O céu tinha uma tonalidade impossível de descrever, entre azul e lilás, como se carregasse dentro de si tanto o dia quanto a noite. Diante dela, uma árvore colossal se erguia, tão antiga que parecia sustentar o próprio céu. Nos galhos, corujas observavam em silêncio, como sentinelas.

Elena sabia: havia chegado ao Corujal.

As sombras dos Guardiões agora a cercavam novamente, mas não como ameaça. Era acolhimento, como se a esperassem há muito tempo. Uma das figuras ergueu a mão e apontou para ela.

— Bem-vinda, Elena — disse uma voz que ecoava em seu coração, não em seus ouvidos. — Aqui começa tua verdadeira jornada.

 

Elena sorriu. Pela primeira vez, sentiu que pertencia.